Antes de sua morte, Preta Gil discutiu feio com Bolsonaro, tudo por q… Ver mais

Silêncio nos palcos: a despedida de Preta Gil e o eco de um embate que marcou o país
Por instantes, o Brasil parou. Na noite de domingo (20), a confirmação da morte de Preta Gil caiu como um raio sobre o cenário cultural e político do país. Aos 49 anos, a cantora e ativista deixou não apenas uma lacuna na música brasileira, mas um legado de resistência, coragem e enfrentamento ao preconceito. A comoção tomou as redes sociais, mas não demorou para que uma lembrança incômoda ressurgisse — um confronto histórico com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A morte de Preta Gil reabriu feridas, reacendeu debates e fez ecoar, com ainda mais força, a voz de uma mulher que jamais se curvou ao silêncio imposto pela intolerância.
A artista que era maior que a arte
Filha do ícone Gilberto Gil, Preta jamais se contentou em viver à sombra do sobrenome. Com talento próprio, presença marcante e uma personalidade que desafiava padrões, ela trilhou um caminho único. Não bastasse sua versatilidade nos palcos, foi também uma ativista incansável em prol das minorias — especialmente da população negra, da comunidade LGBTQIAPN+ e das mulheres.
Mas não foi apenas pela música que o Brasil se curvou a Preta. Foi por sua voz firme, que não hesitava em se levantar diante da injustiça. E foi exatamente essa voz que, em 2011, protagonizou um dos episódios mais controversos da política brasileira recente — e que agora, após sua morte, volta a ocupar o centro das atenções.
Uma pergunta, uma resposta e uma ferida aberta
Era para ser apenas mais uma entrevista. Jair Bolsonaro, então deputado federal, participava do quadro “O povo quer saber”, no programa “CQC”. Diversas personalidades faziam perguntas ao político. Entre elas, Preta Gil. Sua pergunta foi direta — e, aos olhos da sociedade, mais do que legítima:
“Como o senhor reagiria se um de seus filhos se relacionasse com uma mulher negra?”
A resposta veio carregada de preconceito:
“Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu.”
O país assistiu, estarrecido. A frase, tachada como racista por juristas, artistas e movimentos sociais, desencadeou uma reação imediata. Preta Gil não se calou. “Sou uma mulher negra, forte, e irei até o fim contra esse deputado racista, homofóbico, nojento”, escreveu nas redes sociais, demonstrando a firmeza que se tornaria sua marca registrada.
Justiça e resistência
O caso, levado à Justiça, arrastou-se por anos. Mas em 2019, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a condenação de Jair Bolsonaro por danos morais. Por maioria de votos, foi determinada uma indenização de R$ 150 mil ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Era mais do que uma vitória pessoal — era uma afirmação pública contra o racismo.
Esse episódio, hoje novamente lembrado, não foi um fato isolado. Foi um retrato da mulher que Preta Gil era: combativa, resiliente, intransigente diante do ódio.
A despedida de uma gigante
Com o anúncio de sua morte, uma enxurrada de homenagens tomou conta das redes. Amigos, fãs, artistas e políticos compartilharam mensagens emocionadas, relembrando não só sua carreira musical, mas sua importância como símbolo de luta.
Uma frase dita por uma internauta resume o sentimento coletivo:
“Ela viveu com coragem. E partiu como um ícone de luta.”
Entre os inúmeros tributos, muitos resgataram o episódio com Bolsonaro como um marco definitivo de sua trajetória. A frase de Preta, escrita em 2011, voltou a circular como um grito de resistência que nunca se apagou.
Um legado que não será silenciado
Preta Gil não foi apenas uma cantora. Foi uma presença política em um corpo artístico. Uma mulher negra, bissexual, fora dos padrões estéticos convencionais e absolutamente consciente de seu papel. Em tempos de retrocessos e discursos de ódio, sua existência era, por si só, um ato político.
Ela não apenas ocupou espaços — ela criou os próprios palcos. Deu voz a quem não era ouvido. E deixou claro, até seu último dia, que arte também é enfrentamento.
Voz que ecoa além da morte
Agora, com sua partida, o Brasil volta a se olhar no espelho. E, nesse reflexo, vê uma artista que não aceitou ser apenas entretenimento. Que enfrentou o poder. Que ousou perguntar, cobrar, denunciar.
A morte de Preta Gil não é apenas uma despedida. É um chamado à memória. É o lembrete de que, em um país marcado por desigualdades, ainda há muito a ser dito — e muitas vozes como a dela a serem ouvidas.
Ela se foi, mas deixou conosco o som de sua luta — e o silêncio da sua ausência. Que este silêncio não dure mais que o necessário. Que ele nos empurre, mais uma vez, à ação.
